A chuva caía de forma densa sobre o vidro da janela da
cozinha, caía de forma tão violenta, que se assemelhava a pequenas pedras a
baterem repetidamente. Era tarde, cerca das 3 da manhã, o despertador a meu
lado piscava numa luz vermelha as horas, que se traduziam na minha cabeça numa
contagem decrescente até ouvir o som barulhento e irritante do despertador que
me manda levantar do macio dos meus lençóis. Em qualquer outra ocasião, o
barulho da chuva sempre provocava em mim o embalamento, mais eficaz que muitos
medicamentos, mas hoje não se tratava do caso, tinha-me acordado perfeitamente,
talvez do intenso barulho que se ouvia, ou então porque a minha cabeça minada
de preocupações não deixava adormecer.
Levantei-me e dirigi-me até a sala, acendi a televisão,
pouca coisa interessante estava a dar aquela hora, nem a pornografia que
passava era picante, ficou a dar uma série que parecia interessante, foi até a
cozinha, um copo quente contra as insónias, é o melhor remédio, disse-me sempre
a minha mãe, talvez sobre isto ela tivesse alguma razão no que diz. Aqueci e
juntei um pouco de mel, gosto do sabor do mel ao derreter lentamente com o
leite quente. Sentei-me completamente tapada por uma manta no sofá grande da
sala, uma manta que tinha lá ficado há algumas noites atrás, de pernas
cruzadas.
Pousei o copo, após beber o leite adocicado pelo mel,
relaxei completamente o corpo deitando-me desengonçadamente tapado sobre o
sofá. Senti-me relaxada, e a chuva que batia agora de forma mais amena
conseguia acalmar-me, e até a série que passava na televisão era serena.
Subitamente, ouvi um estrondo enorme na cozinha, como se tivesse partido algo
volumoso, como o jarrão que eu tenho sobre a bancada da cozinha com algumas
flores que me tinham oferecido. Estranhei, e de forma repentina, voltei a
sentar-me no sofá, completamente desperta. Agarrei, instintivamente na tesoura
que estava em cima da mesa da sala, uma tesoura de alfaiate que uso para
pequenos arranjos.
Ouvi pequenos passos no chão da cozinha, separada da sala
por uma fina parede de tijolo, senti o meu batimento cardíaco aumentar
exponencialmente, levantei-me, de tesoura na mão em direcção à porta. Tentei
ouvir a origem do barulho, mas não conseguia perceber, vi uma sombra agachada
perto da mesa, mexia-se como se tentasse apanhar algo, o meu telemóvel estava
no quarto, mas para o alcançar teria que acender uma luz para o encontrar..
“TRRRRRIIIIIIIMMMMM”
Era a minha campainha, mas nunca ninguém me tocava tão tarde
à minha porta, a sombra que vi, desapareceu pela minha janela enquanto eu me
tinha distraído a olhar para a porta. Acendi a luz da cozinha e não vi ninguém,
lembrei-me somente ao segundo toque de atender a porta, ainda de coração
acelerado percebi quem era. O meu ex-namorado, a esta hora, é tao estranho, tínhamos
acabado a cerca de dois meses e desde essa altura que nos tínhamos afastado.
Abri-lhe a porta e deixei-o entrar.
Estava meio molhado quando entrou, tinha-o deixado tempo de
mais a espera para o deixar subir, continuava igual, lindo, era incrível como o
que eu sentia por ele e que eu pensava ter desaparecido tinha ficado parado no
tempo, como congelado, esperando o tempo certo em que eu o voltasse a ver para
voltar com a mesma intensidade com que tinha adormecido.
- Fábio, o que fazes aqui? – Completamente surpreendida. O
seu cabelo estava encharcado, os seus olhos âmbar salientes pela água da chuva
que lhe escorria pela face. Os seus caracóis rebeldes apareciam, timidamente
agora.
- Precisava de te ver
– disse-me ao aproximar-se de mim
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